Saturday, December 23, 2006

À espera

O nome é de profeta, a graça, de um anjo. Não sei de onde veio, nem quantos são os capítulos de sua vida. Sei apenas que, assim como tantos outros, passará este natal numa cama da UTI no Hospital da Criança Santo Antônio.

O leito é grande demais para o bebê que respira com dificuldade. As perninhas se abaixam e levantam quando alguém se aproxima e chama: Ezequiel. Ele não responde com a boca, ainda não sabe falar. No entanto, os olhos de longos cílios comprimem-se como se agradecessem a atenção. Não havia pais ou familiares ao seu lado.

Enquanto aguarda por uma cirurgia no coração, seu peito pula e chia. Os aparelhos e tubos que envolvem o pequeno rosto, ajudam o menino a manter-se vivo. O menor contato com a criança a faz mais feliz, pois quando a conversa cessa e dá-se as costas, ele volta à rotina de olhar para as paredes de azulejos brancos ou esperar por mais um visitante, por uma nova distração.

Seu vizinho de quarto já operou. Ele fará companhia a Ezequiel na espera do “bom velhinho”. Será que ele virá? Talvez não chegue por uma chaminé – até porque não há - ou vestido de vermelho fazendo ho-ho-ho. Talvez não tenha uma barba longa ou óculos em formato circular ou de meia lua. Talvez não tenha a pele enrugada e nem velho seja.
Certamente, os minutos, as horas em que alguém tratou Ezequiel e o companheiro com a importância que necessitavam os acompanharão ao longo de sua caminhada. Mal sabem os pequenos que o afeto compartilhado traz felicidade mútua. E que visitá-los, principalmente em época de natal, é um convite a refletir a respeito da vida, por muitos desprezada e por outros tanto primada, a fim de que possam seguir sempre em frente.

Ezequiel continuará à espera da cirurgia, do “bom velhinho” ou de quem lhe queira fazer companhia. E isso vale para os pacientes do Hospital Santo Antônio, do Conceição, do Moinhos de Vento...

Sunday, December 03, 2006

A luta por um olhar

Os olhos são grandes. Espremidos, parecem querer saltar fora rosto magro de Pedro. A pele é enrugada e confere um ar de velhice ao menino que vive apenas há quatro anos. A barriguinha inchada engana, mas a saliência das costelas que a sobrepõem revelam o sofrimento de quem não tem o que comer.
Sem força para sustentar os ossos raquíticos, Pedro rasteja pelas ruas. A fome não o deixa dormir, pensar, viver.
As lágrimas da criança já não fazem diferença às pessoas que, apressadas, o encontram atirado. Elas têm muito que fazer, ele não. Quando nasceu, a mãe sabia que o destino do filho seria vagar pelo centro da cidade em busca da sobrevivência. No entanto, ela não imaginava que a dor do infante não fosse notada em virtude da correria dos cidadãos. Ainda na esperança de quem luta pela vida que pôs no mundo, ela ora por Pedro e pede às pessoas que olhem para baixo de seus joelhos, onde deita o menino. No silêncio dos adultos, Pedro grita por comida e chora de fome. Ele poderia não querer e desistir, mas, apesar do pouco tempo de existência, o pequeno sente que também tem o direito de viver.

Pedro é um personagem que representa muitas das crianças que habitam o Brasil. A pressa cotidiana impede que se vejam os Pedros, os Joãos, as Marias e os Josés. Mas eles estão lá, esperando por um olhar que os compreenda ou por um gesto que lhes traga o pão de cada dia.

O Instituto de Pesquisas sobre Políticas Alimentares registrou que 815 milhões de pessoas não têm o que comer.
São 127 milhões de crianças que sofrem de insuficiência alimentar em todo o mundo.
No Brasil, 10% da população é considerada desnutrida. Nos últimos 20 anos, o país reduziu o problema pela metade. Isso mostra que é possível erradicar a dor que assola a população. Dor de quem sente, dor de quem vê.

Se nunca passaram fome, então é um convite olhar ao redor e saber que essa realidade existe. Sensibilização e conscientização constituem os primeiros passos para ajudar os tantos Pedros, os Joãos, as Marias e os Josés que lutam para sobreviver.
Ana Maria Bicca